Uma das músicas mais bonitas da MPB é aquela composta pelo Nelson Motta e cantada pelo Lulu Santos, que diz que na vida tudo passa, tudo sempre passará, como uma onda no mar. Linda. Mas é mentira.
A garota está sofrendo o diabo porque brigou com o namorado e a mãe consola com a frase de sempre: vai passar. O garoto levou bomba no vestibular e o melhor amigo diz: na próxima vez você passa. Analisando superficialmente, é verdade, todas as nossas dores, um dia, cessam. Para dar lugar a novas dores. Tudo passa? Nada passa!
É isso que ninguém tem coragem de nos dizer. A dor da perda, a dor de fracassar, a dor de não corresponder a uma expectativa, a dor de uma saudade, a dor de não saber como agir, de estar perdida, instável, de ter dúvidas na hora de fazer uma escolha, todas estas dores, que parecem pequenas para quem está de fora, nos acompanharão até o fim dos nossos dias. Elas não passam. Elas ficam. Elas aninham-se dentro da gente, o que não deve servir de motivo para pularmos de uma ponte. Mario Quintana escreveu que nós somos o que temos e o que sofremos. Sem dor, sem vida interior.
Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeças da nossa vida, um quebra-cabeças de 100.000 peças.
Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você recebeu, aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, aquela festa para a qual você não foi convidada, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos pouquinhos, formando quem você é.
Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando menos você esperar, ela vai ser necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro.