Em minha vida passada, quando eu não era mãe de três, eu vestia roupas que me serviam bem e que combinavam.
Eu cuidava de meu cabelo todos os dias. Mas ninguém me dava beijos de biscoito.
Em minha vida passada, eu lia a revista TIME e o jornal. Minha visão regular da televisão transcendia à “Arthur e o ônibus mágico”, e eu devorava todos os melhores romances. Mas ninguém pedia que eu lesse estórias de coelhinhos na hora de dormir.
Em minha vida passada, eu tinha uma carreira e amigos que tinham mais de um metro de altura. Pessoas que pediam minhas opiniões e me confiavam importantes projetos e informações confidenciais. Eu tinha conversas onde não mencionavam sobre papinha ou pinicos ou joguinhos. Mas ninguém me perguntava qual a minha cor favorita ou porque o céu é tão azul. Ninguém queria me ouvir cantar.
Em minha vida passada, eu tinha uma vida. Eu frequentei aeróbicas, restaurantes e teatro. Eu dei festas onde os temas não tinham nada a ver com Guerra nas estrelas ou Ursinho Puf. Eu fazia compras para mim mesma e dormia tarde nos fins de semana. Mas ninguém me fazia cartões com lápis de cera. Ninguém me dava buquês de dente-de-leão.
Em minha vida passada, eu viajei, e meus destinos não se pareciam com parques temáticos ou piscinas ou programações da sesta. As ruínas maias do Yucatan, mergulhos no Caribe, um museu na Itália, teatro Kabuki no Japão… estes eram meus playgrounds. Eu era a rainha da estrada e meu destino. Mas ninguém pedia que eu empurrasse o balanço mais alto. Ninguém me convidava para pular nas poças ou rolar na neve.
Em minha vida passada, eu segurava minhas emoções. Eu não batia meus pés com força e nem cerrava os meus dentes. Eu podia facilmente controlar as lágrimas. Mas ninguém me fazia preocupada o bastante para chorar. Ninguém apenas me amava, apesar de tudo.
Em minha vida passada, eu era livre. Eu podia esculpir meu próprio trajeto e seguir meus sonhos. Nada ficava em meu caminho. Mas o trajeto era inseguro e a visão embaçada. Ninguém me dava um propósito suficiente para voar. Agora, eu arrumo intermináveis pilhas de roupa para lavar, migalhas de pão e brinquedos. Eu sou puxada e rebocada, provocada e molestada, pisada e desesperada para encontrar alguma solidão.
Eu tenho a roupa manchada de suco e olheiras. E, às vezes, eu quero saber quem eu sou e em que me transformei. Então, uma de minhas crianças berra, – Mãe, eu preciso de você! E tudo fica perfeitamente esclarecido:
Eu sou o centro do universo. Eu sou MÃE.