A filha

Um barulho ressoa na noite. O pai vai ver a filha de seis aninhos. Abre a porta do quarto devagar e leva um susto. Nas paredes, pôsteres.

No chão, pares de tênis jogados, camisetas, jeans, revistas e CDs. No canto, um computador internetado num “teen chat”. Sumiram as bolsinhas, as agendinhas, as bonequinhas, os albunzinhos de figurinhas.

Aproxima-se da cama. Outro susto. Dorme ali uma moça. Reconhece-a . É a Filha. A pele lisinha do rosto agora tem espinhas. As sobrancelhas, o nariz e os lábios estão delineados e fortes. O cabelinho fio reto transformou-se em um repique. O tórax, antes magricela, abriga agora um par de seios.

O pai desespera-se. O que está acontecendo? Acha que está louco. Abraça-a forte e começa a pensar. Por que não brincou mais com ela quando criança? Por que não a levou mais vezes ao parque, ao clube, ao cinema? Por que não lhe contou mais historinhas?

Por que não bebeu menos cerveja com os amigos e mais guaraná com ela? Por que não lhe dedicou mais tempo nas tarefas ? Por que trabalhou tanto e a viu tão pouco?

O pai sai chorando. Do pranto passa aos gritos. A mãe, com muito custo, o acorda. Atônito, ele corre para o quarto da Filha.

Desta vez não há pôsteres, nem tênis, nem jeans, nem revistas, nem CDs. Estão lá as bonequinhas, os albunzinhos e as agendinhas. Está lá a filha de seis aninhos.

Abraça-a forte e suspira aliviado, enquanto refaz a agenda da sua vida. Ainda há tempo…

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