Há longo, longo tempo, compareceram no Tribunal Divino dois homens recém-chegados da Terra.
Um trazia o sinal da muleta em que se apoiara.
Outro mostrava a marca da coroa que lhe havia adornado a cabeça.
Fariam prova de humildade para voltarem ao mundo ou seguirem além…
Postos, um a um, na balança. O primeiro acusou enorme peso. Era ainda presa fácil de lutas inferiores, parecendo balão cativo.
O seguinte, no entanto, revelava grande leveza. Poderia viajar em demanda dos cimos.
Inconformado, contudo, disse o primeiro:
– Onde a justiça divina? Fui mendigo paupérrimo, enquanto ele…
E indicando o outro:
– Enquanto ele era rei… Passei fome, ao passo que muita vez o vi no banquete lauto. Esmolava na rua, avistando-o na carruagem. Conheci a nudez, reparando-o sob o manto dourado, quando seguia em triunfo. Vivi entre os últimos, ao passo que ele sempre aparecia como o primeiro entre os primeiros.
O outro baixou a cabeça, humilhado, em silêncio.
Mas o amigo sereno, que representava o Senhor, falou persuasivo:
– Viste-o na mesa farta, mas não lhe percebeste os sacrifícios ao comer por obrigação. Notaste-o de carro. entretanto, não lhe observaste o coração agoniado de dor, ante os problemas dos súditos a que devia assistência. Fitaste-o sob dourado manto, nos dias de júbilo popular. todavia, não lhe contemplaste as chagas de sofrimento moral, diante das questões insolúveis.
Conheceste-o entre os maiorais da Terra. entretanto, não sabes quantos punhais de hipocrisia e de ingratidão trazia cravados no peito, embora fosse obrigado a sorrir. Na situação de mendigo, não fostes lançado a semelhantes problemas da tentação. Diante do companheiro triste, o ex-monarca recebeu passaporte para a ascensão sublime.
Sozinho e em lágrimas, perguntou, então, o ex-mendigo:
– E agora?
O ministro angélico abraço-o, sensibilizado, e informou:
– Agora. Renascerás na Terra e serás também rei.