Com a vida apressada, angustiada, tão absorta em pensamentos pequenos, sem entender a dor disfarçada em mal humor, pouso os olhos no menino, ali, dormindo. No meio da rua, entre carros, passantes, cachorros e passarinhos destoantes, com as mãozinhas sobre a cama de papelão, agarradinho, inocente, no corpo do irmão.
A mãe sofrida, sentada no sujo chão, tentando esconder a vergonha e a fome, tendo à frente o pai, derrotado enquanto homem. A dor oprimida no peito, sem conseguir engolir, ver assim alguém tão só, uma família – flores do pó. Ah, a cruz! Preguem-me na cruz.
Quero morrer por eles, morrer por mim, inerte, covarde, torpe!
Nada a fazer, senão sofrer? Não tem remédio, senão chorar?
Menino dormindo, como o meu, como os nossos, sonha sonhos de criança, com luzes e festa, com brinquedos e paz, sorvete, banho, banheiro. Alegria o ano inteiro.
Perdeu o endereço do céu, mas espera Papai Noel. Aquele pai e aquela mãe, sem teto ou dignidade, não sabem da missa a metade. Não choram, apenas pedem, que a sorte mude e os ventos tragam a esperança e o sorriso do menino, que dorme ali no chão, tranqüilo, ao relento, desprotegido.
A leoa de dentes arrancados, o guerreiro sem escudo, sem lança, sem conseguir defender sua criança, olhar vazio, de alma apagada, sem ter mais nada. Nada a oferecer, senão seu corpo. Nada a pedir, senão o pão. E eu, e você, o que fazemos?
Vamos embora, com a consciência confortada de que nada podemos fazer, por não termos o poder. Qual nada! Eu posso. Você pode. Mas é difícil, é cômodo. Você tem lar. Eu tenho pão. Eles é que não.