Desabafos de uma folha de jornal

Chega.
Cansei.
Não dá mais.

Eu quero minha dignidade de volta.
Eu quero voltar a embrulhar peixe na feira.
Quero voltar a ser papel picado no Maracanã.
Quero voltar a virar chapéu de soldado para criança brincar.
Quero ser capacho de porta de pobre.
Cortina de apartamento em reforma.
Forro de chão de carro.

Mas pelo amor de Deus.
Eu não quero mais cobrir o corpo de ninguém.
Não quero mais sentir o frio do asfalto, muito menos o calor do sangue. Não quero não.
Se eu que sou papel de jornal não aceito mais, imagina você,
um semelhante ter um fim desse.

Então faz o seguinte: me arranca.
Isso: arranca essa página.
Não vou ficar chateado, é por uma boa causa.
E me mostra para o amigo, para a mulher, para o chefe, para o gari, para o frentista, para o delegado, para a xepa da feira, para o rubro-negro, para o juiz, para a prostituta, para o político, para os seus filhos.

Mostra que você também está cansado.

É pouco, mas já seremos dois.
Se formos cem, seremos um batalhão.
Mil, um exército.
Marcha soldado, cabeça de papel.

Juntos, a gente vira esse jogo contra a violência, que de virada é mais gostoso. Juro que dá.
Juro por aquele sujeito lá no alto do Corcovado que, caso você
não saiba, é o nosso general.

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