É ela! É ela! – murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou – é ela!
Eu a vi… minha fada aérea e pura –
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! Que profundo sono!…
Tinha na mão o ferro do engomado…
Como roncava maviosa e pura!…
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso…
Palpitava-lhe o seio adromecido…
Fui beijá-la… roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido…
Oh! de certo… (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela… que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores…
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio…
É ela! É ela! – repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja…
Abri cioso a página secreta…
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela – eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camizinhas!
É ela! É ela! meu amor, minh’alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela…
É ela! É ela! – murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou – é ela!
Álvares de Azevedo
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