Troque os lençóis, coloque aqueles mais bonitos e macios, deixe a cama arrumadinha, esperando. Borrife um pouco de perfume no seu quarto, olhe-se no espelho, de frente, de lado, de costas, de dentro e respire fundo. Acenda na sala um incenso com fósforo, porque tem cheiro de pólvora talvez um Poem, indiano, e espete a varetinha numa laranja madura.
Ponha aquela música de que você mais gosta. Uma vela comprida e azul no castiçal de bronze. Desligue o telefone e todas as campainhas que houver no teu mundo.
Livre-se de tudo o que for supérfluo.
Tome então um banho demorado, com teu sabonete preferido. Cante alto no banheiro. Quando terminar, passe as mãos pelo corpo, como fosse para tirar-lhe todas as gotas de água que houver, espécie pura de massagem carinhosa. Enxugue-se com a melhor toalha. Maquiagem leve, batom discreto, o melhor perfume, aquele que lhe traga as mais deliciosas lembranças.
A calcinha de algodão. Vista uma roupa linda, fresca, leve, macia. Prepare-se como se fosse a uma festa no teu corpo, uma festa onde a tua alma vai hoje ser rainha. Descalça, como deusa grega sorridente ao sair de um labirinto.
Respire mais fundo. O vinho, que já fora escolhido com amor, deve agora ser aberto com mais amor ainda. Se possível, uma taça de cristal tcheco. Se não tiver, serve uma dessas francesas, grande. Ou um simples copo, transparente, bem lavado.
Sirva delicadamente. Sente-se. Levante o copo contra a luz. Sinta a temperatura do vinho, a sua cor, o seu cheiro. Esmague o vinho com a língua no céu da tua boca, como se esmagasse um cacho de uvas maduras num vinhedo do sul em dia de sol de primavera. E sinta o sabor.
Nenhuma expectativa. Ninguém vai chegar. Você já cuidou para que ninguém chegue nos próximos dois mil anos.